O MANDACARU “BURGUÊS”
Por Andrea Almeida Campos
O jovem dramaturgo pernambucano Leo Tabosa nos presenteia com a sua mais nova peça teatral “Mandacaru Selvagem”. O texto apresenta-se como uma comédia de costumes no melhor estilo da Comédie-Française e nos faz pensar em Molière. Assim como o gaulês, Leo tenta satirizar os tipos urbanos da contemporaneidade, seus vícios, suas fraquezas e, principalmente, a total falta de senso de ridículo desses personagens. Tudo poderia ser apenas engraçado, um besteirol tomado em pílulas como um agradável passatempo, se a comédia de Leo não fosse, em realidade, trágica. Deparar-se com a fauna humana apresentada pelo autor e olhá-los de forma não superficial, ao invés do riso, leva-nos ao desespero e à desesperança. Leo consegue fotografar o ser humano burguês atual em total desconexão com o seu próprio eu, alienado de sua humanidade, um reles desconhecido de si mesmo a tentar enquadrar-se em fórmulas pré-fabricadas e estereotipadas de felicidade.
Fórmulas lançadas a seres que se desumanizam e passam a integrar um rebanho, guiados não por um pastor, mas provavelmente por uma propaganda televisiva de margarina, de cerveja ou de um shopping center da moda. E o que é pior, sem nenhum senso crítico. Os nomes das personagens são uma forma de satirizar as novelas mexicanas que tanto fazem sucesso em terras tupiniquins, tamanha a sua dramaticidade, mas os movimentos e as ações levadas a cabo são perfeitamente verde e amarelas, quiçá das cores da burguesia universal. Aproximemo-nos de suas personagens: Maristela Valeska, uma mulher dentro dos padrões, vive tal como se espera de uma pequena burguesa. É casada há quinze anos, mora em um apartamento de luxo e tem dois filhos saudáveis, além de um marido bem-sucedido. Mas quem é Maristela Valeska? Nem mesmo ela sabe. Ela só sabe que vive conforme um esquema pré-estabelecido e que esse esquema, inclusive, não está mais na moda, já que agora “in” é ser solteira, livre, leve, solta e independente. Maristela Valeska se separa do marido não porque é intrinsecamente insatisfeita com o casamento e pretende encontrar novas possibilidades para si mesma, ela simplesmente vai com a onda e a onda é aquela propugnada por sua amiga separada e namoradeira, Rafaella Patrícia. Esta é uma total destrambelhada. Formada em psicologia, exercendo a profissão, precisaria reencarnar duas ou mais vezes, passando a maior parte do tempo dessa vida e das futuras deitada em um divã. Não se trata de moralismos, falsos, acentue-se. Tudo iria bem com Rafaella Patrícia e a sua vida de solta, solteira, se ela não se apresentasse como uma mulher tão infeliz, perdida e, frequentemente, ébria. Ela parece ser aquela mulher que optou por viver nos moldes do seriado de TV americano Sex and the City, mas está, irremediavelmente, fixada na propaganda de margarina, aquela onde na cozinha, toma o café da manhã uma família unida e feliz. Logo, essas duas mulheres não buscam a felicidade pelo autoconhecimento, mas unicamente teleguiadas pela mídia e pelos estereótipos. As personagens adolescentes, da mais nova geração, não acenam para uma renovação do núcleo feminino: são fúteis, alienadas, falsas, complexadas, cada qual à sua maneira, e parece que farão tudo na vida, menos algo que valha, realmente, à pena. Os personagens masculinos aparentam ser menos problemáticos a um primeiro lance de vista. A um segundo lance, o que se infere é que seus problemas estão mais por debaixo dos panos. João Eduardo é o ex-marido de Rafaella Patrícia. Apesar de ter feito carreira como advogado penalista, se já conseguiu tirar presos da cadeia, ótimo, porque ele mesmo ficou preso na adolescência. Machista e alcoólatra, o que deixa entrever-se é que ele é um homossexual não assumido. Já o marido de Maristela Valeska, Arnaldo Oscar, no meio desse caos, vive como uma Pollyana totalmente alheia à realidade, sem conseguir enxergar a sua mulher, muito menos a si próprio. Arnaldo Oscar atende a todas as demandas sociais e familiares, age como se fosse um autômato, robotizado. Até ao separar-se, ele segue à risca os padrões, agarrando a melhor amiga da ex-esposa, e... dentro de casa! Os garotos Tob e Júnior são os filhos dos dois casais. Júnior, filho de Maristela Valeska e Arnaldo Oscar, Tob, filho de Rafaella Patrícia e João Eduardo. Os dois meninos convivem desde que nasceram e só durante a adolescência descobrem-se gays e apaixonados. Não há conflitos, não há temores, não há crises internas. Os meninos também são alienados de si mesmos, pois se sabe que os desejos sexuais e a direção desses desejos revelam-se desde a infância e eles, simplesmente, nunca se deram conta disso... Ao perceberem suas pulsões, tardiamente, vivenciam a descoberta como quem vai tomar um sorvete ali na esquina...E não se lambuzam!
Fórmulas lançadas a seres que se desumanizam e passam a integrar um rebanho, guiados não por um pastor, mas provavelmente por uma propaganda televisiva de margarina, de cerveja ou de um shopping center da moda. E o que é pior, sem nenhum senso crítico. Os nomes das personagens são uma forma de satirizar as novelas mexicanas que tanto fazem sucesso em terras tupiniquins, tamanha a sua dramaticidade, mas os movimentos e as ações levadas a cabo são perfeitamente verde e amarelas, quiçá das cores da burguesia universal. Aproximemo-nos de suas personagens: Maristela Valeska, uma mulher dentro dos padrões, vive tal como se espera de uma pequena burguesa. É casada há quinze anos, mora em um apartamento de luxo e tem dois filhos saudáveis, além de um marido bem-sucedido. Mas quem é Maristela Valeska? Nem mesmo ela sabe. Ela só sabe que vive conforme um esquema pré-estabelecido e que esse esquema, inclusive, não está mais na moda, já que agora “in” é ser solteira, livre, leve, solta e independente. Maristela Valeska se separa do marido não porque é intrinsecamente insatisfeita com o casamento e pretende encontrar novas possibilidades para si mesma, ela simplesmente vai com a onda e a onda é aquela propugnada por sua amiga separada e namoradeira, Rafaella Patrícia. Esta é uma total destrambelhada. Formada em psicologia, exercendo a profissão, precisaria reencarnar duas ou mais vezes, passando a maior parte do tempo dessa vida e das futuras deitada em um divã. Não se trata de moralismos, falsos, acentue-se. Tudo iria bem com Rafaella Patrícia e a sua vida de solta, solteira, se ela não se apresentasse como uma mulher tão infeliz, perdida e, frequentemente, ébria. Ela parece ser aquela mulher que optou por viver nos moldes do seriado de TV americano Sex and the City, mas está, irremediavelmente, fixada na propaganda de margarina, aquela onde na cozinha, toma o café da manhã uma família unida e feliz. Logo, essas duas mulheres não buscam a felicidade pelo autoconhecimento, mas unicamente teleguiadas pela mídia e pelos estereótipos. As personagens adolescentes, da mais nova geração, não acenam para uma renovação do núcleo feminino: são fúteis, alienadas, falsas, complexadas, cada qual à sua maneira, e parece que farão tudo na vida, menos algo que valha, realmente, à pena. Os personagens masculinos aparentam ser menos problemáticos a um primeiro lance de vista. A um segundo lance, o que se infere é que seus problemas estão mais por debaixo dos panos. João Eduardo é o ex-marido de Rafaella Patrícia. Apesar de ter feito carreira como advogado penalista, se já conseguiu tirar presos da cadeia, ótimo, porque ele mesmo ficou preso na adolescência. Machista e alcoólatra, o que deixa entrever-se é que ele é um homossexual não assumido. Já o marido de Maristela Valeska, Arnaldo Oscar, no meio desse caos, vive como uma Pollyana totalmente alheia à realidade, sem conseguir enxergar a sua mulher, muito menos a si próprio. Arnaldo Oscar atende a todas as demandas sociais e familiares, age como se fosse um autômato, robotizado. Até ao separar-se, ele segue à risca os padrões, agarrando a melhor amiga da ex-esposa, e... dentro de casa! Os garotos Tob e Júnior são os filhos dos dois casais. Júnior, filho de Maristela Valeska e Arnaldo Oscar, Tob, filho de Rafaella Patrícia e João Eduardo. Os dois meninos convivem desde que nasceram e só durante a adolescência descobrem-se gays e apaixonados. Não há conflitos, não há temores, não há crises internas. Os meninos também são alienados de si mesmos, pois se sabe que os desejos sexuais e a direção desses desejos revelam-se desde a infância e eles, simplesmente, nunca se deram conta disso... Ao perceberem suas pulsões, tardiamente, vivenciam a descoberta como quem vai tomar um sorvete ali na esquina...E não se lambuzam!
A comédia de Leo Tabosa é, portanto, a tragédia da alienação e do cinismo burguês no século XXI. Há alguma saída para os nossos queridos personagens? Ao fim do texto, condenados à eterna perdição, os personagens, por não terem chegado a lugar algum, voltam à estaca zero, ao aparente inescapável modelo hipócrita-tradicional-conservador burguês. Estão todos satisfeitos e acomodados, jogando o eterno jogo, tal como no mito de Sísifo: condenado a passar o resto de sua existência a rolar uma pedra para cima de uma montanha.
Praia de Piedade, 16 de agosto de 2009.
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